espero.te

Guardo ainda os odores dessa noite escura e fria em que vagueava perdida em mim sem saber para onde ir o que fazer. Sem saber ainda o que queria. Devia ser meia-noite, uma duas talvez, quem sabe? Quem quer saber? E a noite cheirava a frio, a estrelas a jardim. Era um jardim. Lindo! E os odores invadiam-me inquietando-me a calma que eu achava encontrar no jardim. Ia com ele. Ou não. E eu falava com os cheiros, as estrelas as flores e eles ouviam e respondiam-me com odores. E cheiro-me, cheiro a tristeza a solidão que me envolve e amo-as. Amo-as devagarinho com um amor de amar. Um amor simples que só se consegue ter pelas coisas perfeitas e simples e a solidão é tão só a solidão na sua perfeita forma de ser ausente. E amo-as com o meu amor puro que aprendi no sofrer e no bem estar da solidão só com ela. Não um amor como o dele, imperfeito e desmedido, por me amar por ser humana por amar por ser humano. Não te Amo - disse-lhe - E tu não me consegues amar. Zangou-se e afastou-se. És humano - berrei ainda. Não me ouviu. Sei-o pois sei-o humano. Ouviu-me com os ouvidos mas não o cheirou, não o sentiu, não deixou a alma ouvir para poder continuar feliz na sua condição infeliz de ser humano e fiquei só. Não só com a solidão e com o frio. E sorri e cheirei-os. Arrefeci devagar. Amei-os e amaram-me, sei-o pois toda eu sou deles e eles sentem-no. Enfim... Adormeci.

Sou eu. Só! Na esperança e na inquietude de que amanhã o ser eu se torne nós. Nós. Quem? Nós e repito a palavra que me transforma de mim para o eu com... E nós soa a pouco e só fico sem ti e penso sonhando no amanhã que nasce sempre hoje e em nós fico eu com a esperança e a inquietude o que já me torna nós e no entanto cada vez mais eu. Lembro esta vontade de querer ser nós sem saber ao certo sequer o que é querer. Estranho não simples. E nós torna-se em sonho comigo vazia em mim por te sentir cheio de mim sem no entanto teres de mim uma única lembrança e lembro que encho demais a memória com o que me lembra o ontem sempre a querer o amanhã sem saber o porquê e a nascer dia após dia num hoje perpétuo que não se gasta que me gasta e me arrefece. É noite já e deito-me na esperança que amanhã seja amanhã e não hoje. Não durmo. Espero e na espera gasta-se o ser não o tempo que esse somos nós que o gastamos sem saber como e quando damos conta o nós de amanhã deixou de ser nós de ontem e mantém-se num perpétuo eu sozinha comigo neste viver que não vivo por ser só eu - e não há lógica em viver sozinha - neste perpétuo hoje que não muda com o sol ou com as horas. E só fico comigo e com a lembrança de ti.

Mora num 5º andar duma dessas avenidas novas. Nunca entrei. Peço ao porteiro que o chame. Não gosto que me vá buscar. Eu vou não me custa nada diz-me por vezes mas não. Não posso deixar que me veja no meu mundo onde sou só eu. Só um momento, o sr. desce já. Agradeço e distraio-me a olhar um da Vinci. Uma imitação é certo e um pouco antiga mas... Olá. Beijamo-nos. Não é um beijo de amor, é um simples cumprimento como que uma convenção. Saímos passeámos conversámos... pouco. Eu conversei mas não com ele, conversei com aquilo que conheço e o que conheço é o que me envolve e nada mais para além disso e as pessoas não me envolvem, talvez uma, não! Deixaram de envolver. Não gosto delas e assim desculpo o não gostarem de mim ou compreenderem-me que vai dar ao mesmo . Não suporto viver com elas. Quanto a ele. Olho-o. É lindo na beleza dos Humanos e para mim? É humano e não há perfeição nisso e se não há perfeição onde encontramos a beleza? Vamos, é tarde e então oferece-se para me vir pôr a casa. Recuso. Talvez seja belo. Beijo-o na testa para o fazer perceber que percebo o ele não conseguir perceber. Chego a casa ainda com uma lágrima no olho. Desligo o telefone e penso nele. Talvez ligue. Não quero. É melhor assim. Fecho-me no quarto que me envolve e adormeço. Eu.

...misturas de sabores de calores temperaturas temperamentos. beijamos por querer beijamos sem querer. beija-se para amar por amar para humilhar para matar por respeito por carinho por ódio por cinismo hipocrisia civismo prazer. beijei-o amei-o. amou-me diz ele. não quero saber. fecho-me no quarto o quarto fecha-me em si eu fecho-me em mim não vale a pena outra coisa sufoco com a solidão. amo-os. beijo-os à solidão ao frio ao medo às tristezas aos desgostos amarguras saudades fantasmas. beijo-os por amor. ao sofrimento e à dor à beleza da amargura ao saber deste sofrer. amo-os com beijos puros. as imagens de horas sós só das horas do silêncio do escuro. misturamos salivas eu e eles. beijo o calor das velas. amo o ódio o amor a calma a agitação amo o escuro e amo a cor. beijo o bem e beijo o mal. sorrio perante a morte e beijo o sorriso da vida. meto o amor no bolso e guardo-o para sempre comigo. beijo-lhe os lábios frios de paz e dou-lhe a mão. espera! deixo-o ir à frente. já vou. tiro de novo o amor do bolso, beijo-o. peço ao porteiro que lho entregue e vou sozinha para o meu mundo onde um beijo é... só um beijo.

A agonia que me corrói é superior aquela que sei conseguir aguentar, vivo no entanto. Vivo? Dói-me a alma, dói-me a razão, dói-me o coração. Sinto pequenas lâminas dilacerarem-me aos poucos e separarem-me de mim. Sinto-me num caminho sem retorno, estou só, especada, revolto-me sem o dizer. Saí de casa de manhã cedo. Tinha aulas, estudava? Talvez! Estava sol, não havia aquele frio que me faz falta nem o mínimo sinal de nevoeiro próximo. Triste mas nunca cabisbaixa, que é a maneira de nos mostrarmos fortes e de o sermos para nós mesmos, segui o meu caminho habitual. Encontrei-o. Estava ainda com ar de sono e talvez cansado. Beijei-o na face esquerda sorri-lhe e segui. Deve ter estranhado esta atitude mas não podia mais estar com ele ou com outro alguém. Vi mais uma amiga. Olá e até logo. Dois conhecidos que cumprimentei com um gesto de cabeça sem parar. Não se pode nunca parar. Parar é morrer. Sinto-me estática! Perguntam-me as horas Não tenho sempre sem parar. Chego a casa. Abro um livro. Devoro-o. Passam-se as horas. Tocou o telefone não estou. Não quero ninguém não mereço ninguém que é a melhor maneira de aceitarmos não sermos aceites e deito-me, sonho, sonho muito. Não durmo. Sonho! Ouço Vivaldi ou será Bach? Pearl Jam, The Cure, não há cura e durmo e sonho. Está frio. E amo o frio só o frio e a agonia dissipa-se e sinto-me leve livre só sempre assim tinha sido. Tudo pára e sonho. Arrefeço devagarinho. E tudo pára e ouço não vás ou queria ouvir. Enfim descanso. Adeus.